* Colaborou Leandro Paulo Bernardo
Alcides Ghiggia foi a maior lenda da história dos Mundiais, desde pequeno ouvia e lia os relatos da Copa do Mundo de 1950. Certa vez chorei com uma edição da Revista Placar de 1995, que descrevia o pranto brasileiro e a epopéia uruguaia. Fiquei emocionado com as diversas homenagens feitas a ele, sendo que honradamente em toda vida sempre foi agraciado com um carinho mundial. Até por nós, brasileiros, e pelos rivais do Nacional (URU), que no primeiro jogo após a morte do jogador não usou a camisa sete contra o Estudiantes de la Plata (ARG).
Quando morreu, fiquei triste demais, pois o considerava como o Nelson Mandela. A história real presente, ao vivo, e agora não temos mais os dois em vida. Porém, lendas param apenas de respirar. As obras e feitos seguem nos impulsos nervosos de quem admira. Nesse impulso, contarei algo que talvez muitos não conheçam: como ele se tornou ponta-direita e a paixão pelo Sudamérica.
Ghiggia chegou ao clube por meio do irmão Rubens, em 1943, porque era o clube mais perto de casa. Foi testado em campeonatos juvenis e contratado para jogar na 4ª Divisão, pela equipe B. Ele tinha 17 anos. Em certa ocasião, Ghiggia contou que se jogava apenas uma vez por semana, às quintas-feiras, e os atletas eram pagos apenas quando havia vitória. Portanto, ganhou pouco dinheiro.
Ele jogava de centroavante em um ataque com Omar Miguez e Antônio Sacco, melhores amigos de infância.
A primeira ideia de mudança para a ponta-direita veio quando um dirigente do clube laranja, “Tito” Lacoste, agarrou o treinador e esbravejou: “os flancos são alternadas de velocidade, Ghiggia deve ir para a ponta e Miguez para o meio”. O treinador ignorou a proposta e acabou dispensando alguns “rebeldes”, inclusive Ghiggia, em 1947.
Após tentar a sorte no Atlante, da Argentina, e uma passagem meteórica pelo Progresso na segunda divisão uruguaia, ele retornou ao Sudamérica, quando começou a formar a equipe B. Ghiggia chegou a treinar com a primeira equipe e mudou a forma de se pocisionar em campo, passou a jogar como ponta-direita.
Todavia, um amistoso do Peñarol contra o River Plate mudaria a vida dele. Na partida preliminar, o Sudamérica arrebentou com os juvenis do Peñarol, Ghiggia destacou-se pelas arrancadas e pelas assistências nos três gols de Omar Miguez. Lendas carboneras afirmam que Ernesto Vidal e Roque Máspoli exigiram a contratação daquela dupla e a diretoria acolheu a exigência.
Em seguida, foi contratado pelo Peñarol e conquistou o campeonato de 1949 marcando oito gols. O grande jogador uruguaio da época, José “Loncha” Garcia, havia se transferido para a Itália e não poderia defender a celeste. Através dessa “brecha”, Ghiggia estreou pela seleção em maio de 1950 e foi convocado para a Copa do Mundo na qual escreveria seu nome na eternidade. Jogou ainda pela Roma (ITA) e Milan (ITA) e defendeu a azzurra ao se naturalizar italiano. Em seu retorno ao Uruguai, jogou cinco anos pelo Danúbio (entre 1962 e 1967), porém, seria no Sudamérica que iria jogar as últimas partidas.
Em 1968, ele foi visitar o ex-goleiro e então treinador Walter “Galego” Taibo, que lhe disse: “preciso de você. Eu estou indo treinar o Sudamérica e a coisa não está boa por lá, dê-me uma mão”. Foi o crepúsculo futebolístico do jogador Ghiggia. Naquela equipe, outro jogador tentava a sorte, um certo zagueiro chamado Óscar Washington Tabárez, futuro técnico da seleção uruguaia.
A última partida daquele campeonato foi disputada em 15 de dezembro de 1968, o Naranjitas venceram o River Plate por 3 a 1 e salvou-se do rebaixamento. Assim, com a mesma camisa onde começou o caminho triunfal e único no futebol. Sete dias depois, ele completou 42 anos.
Coube ao Sudamérica ser o último clube a homenagear Alcides Ghiggia em vida.
Estava preparando uma matéria sobre o aniversário dos sete gols marcados por Fernando Morena contra o Huracan Buceo, recorde do campeonato uruguaio estabelecido no dia 16 de julho de 1978. Queria relembrar algum fato uruguaio diferente da lembrança comum desse dia.
Mas esse 16 de julho é a diferença. O dia em que ele deixou a vida, mas já era a história antes dela. Li um belíssimo “resumo da ópera “, escrito pelo jornalista Leandro Stein no site Trivela.
Questionei-me com a proposta da excelente história contada pelo advogado Caio Brandão da Costa no site Futebol Portenho sobre sua passagem pelo Atlante (veja aqui).
Acredito que nem os pais desses meus amigos eram nascidos em 1950, assim como o meu também não era, mas a lenda já estava presente e agora creio que aumente ainda mais. Uma vez perguntei a um amigo uruguaio o porquê de futebol deles ter histórias tão belas. Ele respondeu: “somos a versão futebolística da mitologia grega”.
Então algum historiador diga-me com qual Deus mitológico poderemos associar o mito Alcides Ghiggia?
Quanto ao homem Alcides Ghiggia, descanse em paz. Agora os campos celestiais terão a celeste com sua formação completa.
* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa