* Colaborou Leandro Paulo Bernardo
Em janeiro de 2017, conheci Neyde Vasconcelos, a nova auxiliar de consultório dentário na clínica em que trabalho. A amizade fluiu de uma maneira espetacular, especialmente quando ela soube dos meus textos, crônicas e paixão pelo futebol. Neyde foi casada com um jogador que rodou por vários clubes do Nordeste e possui um vasto arquivo de jornais, revistas e camisas.
Nessas relíquias maravilhosas há uma revista do Atlético de Cajazeiras, do ano 2000. Duas páginas dessa revista (18 e 19) eram dedicadas ao goleiro Barbosa – que tinha morrido naquele período – sendo que havia ali um texto que é um “tesouro arqueológico” para nós pesquisadores de futebol. Pouca gente sabe ou recorda, mas Moacyr Barbosa foi treinador de futebol.
Em janeiro de 1978, Barbosa tirou uma licença do trabalho na Suderj e foi contratado pelo Auto Esporte, de João Pessoa, para comandar o clube no Campeonato Paraibano. O presidente Aderbal Cavalcante trouxe vários jogadores do futebol baiano e mesclou com a base de outros anos que tinha os jogadores Neinha, Anselmo, Espinheira, Ênio, Félix, Jaiminho. O primeiro teste seria um jogo-treino contra o clube amador Internacional de Cruz das Armas, só que esse clube amador estava sem goleiro.
Foi aí que Nelvique – jogador do Auto Esporte e que tinha passado pelo Internacional – teve uma ideia que sacudiu o futebol paraibano. Convidou o radialista João Camurça para ser o goleiro do Internacional naquele amistoso. João havia chegado em João Pessoa para trabalhar na rádio Arapuan e era o goleiro do time da Associação dos Cronistas Esportivos da Paraíba, tinha dividido parte da juventude na Marinha e na equipe juvenil do Riachuelo, em Natal.
João Camurça topou o desafio e foi ser o arqueiro naquela peleja realizada no Estádio Leonardo Vinagre da Silveira, também conhecido como Estádio da Graça. O Internacional se agigantou e foi logo abrindo o placar. O Autinho tentou muito empatar a partida, mas João Camurça fechou a baliza com defesas incríveis. Aí, no final da partida, o juiz marcou um pênalti duvidoso para enfim o clube automobilista empatar.
Moacyr Barbosa ficou encantado com o desempenho e as defesas acrobáticas de Camurça. Foi falar com Haroldo Navarro, diretor de futebol do Auto, para contratarem aquele goleiro. Haroldo ainda tentou alertar Barbosa: “mas ele não é jogador, ele é radialista”. Barbosa soltou uma réplica capaz de convencer qualquer um: “fui goleiro e reconheço um bom de longe”.
Naquele momento, o rádio paraibano perdia um grande narrador e o futebol ganhava um excelente goleiro. Contudo, logo nos primeiros meses João teve um problema nos meniscos e seu “olheiro” não estava suportando a solidão do quarto de hotel e a imensa saudade do Rio de Janeiro. A passagem de Barbosa na Paraíba durou apenas 60 dias e ele voltou para o Rio de Janeiro.
Imediatamente, a diretoria do Auto Esporte trouxe o treinador Paulo Mendes, que tinha várias passagens pelos times paraibanos. Mendes foi logo declarando que seu goleiro titular seria George e que João Camurça como goleiro era um ótimo narrador. Camurça não gostou da declaração do treinador e também deixou o Auto Esporte. Talvez o destino quisesse apenas ouvir as belas narrações de gols dele ao invés de vê-lo buscar as bolsas nas redes.
Durante muito tempo, João Camurça foi presidente da ACEP, a Associação dos Cronistas Esportivos da Paraíba, e depois passou a coordenar o “Esquadrão de Aço” da rádio Sanhauá, de João Pessoa.
Na suavidade da voz da paraibana Elba Ramalho, “Barbosa voltou para seu aconchego, trazendo na mala bastante saudades” e um punhado de lagostas que ele ganhou de um grupo de pescadores. Recebeu “um sorriso sincero e um abraço” da sua amada esposa Clotilde e voltou a trabalhar no Maracanã.
Barbosa se aposentou da Suderj e ficou morando no Rio de Janeiro até 1997, quando a esposa faleceu. Morou com a filha Teresa em Praia Grande até morrer no dia 7 abril de 2000. Dois dias depois, ocorreu um “Botauto”, o clássico entre Botafogo e Auto Esporte, e houve um minuto de silêncio especial para o homem que não foi ídolo no futebol paraibano por ter sido vencido pela saudade.
Tentei fazer esse texto sem citar “o Mundial de 1950”, acho que a história dele foi muito maior do que aquela final, mas parece que ela sempre voltava para atrapalhar o enredo de “mergulhar na felicidade sem fim”.
O reencontro de Barbosa com a Paraíba ocorreu em 1992, desta vez em Campina Grande, antes do amistoso entre Brasil e Uruguai, quando houve uma homenagem aos vice-campeões de 1950 promovido pela CBF. Estiveram presentes no Estádio Amigão: Barbosa, Nilton Santos, Nena, Noronha, Bauer, Ademir de Menezes, Baltazar e Flávio Costa. Numa ironia do destino, a seleção brasileira abriu o placar, mas acabou tomando a virada por 2 a 1.
* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa