Brasil 1×0 Inglaterra – O bombardeio britânico e o milagre de Felix

Ele trocava os gols pelas defesas, os chutes pelos voos, as luvas pelas mãos calejadas, a badalação pela crítica feroz e a injustiça pela superação. Tudo isso resumia o goleiro Felix.

Em tempos de arqueiros clássicos como Manga e Valdir de Morais, o escolhido para a Copa do Mundo de 1970 foi o “baixinho” de 1,80 m que despontou na Portuguesa.

A escolha do técnico Mário Lobo Zagallo –  que manteve o convocado de João Saldanha – foi duramente criticada pela crônica esportiva. Cada jornalista tinha na ponta da língua um goleiro diferente que considerava mais seguro do que Felix.

Coube ao então ídolo do Fluminense mostrar que a meta da seleção brasileira não poderia estar em melhores mãos. A resposta veio em Guadalajara, no México, no dia 7 de junho.

O palco? O estádio Jalisco, completamente lotado. O rival? O escrete campeão do mundo, a Inglaterra. Um duelo que valia pela segunda rodada de uma campanha que se tornaria histórica.

Os olhares se concentravam em outros jogadores. Carlos Alberto Torres, Tostão e Pelé de um lado. Bobby Moore, Bobby Charlton e Francis Lee de outro. Porém, os goleiros é que brilharam.

A partida começou e, de cara, a torcida brasileira levou um susto. Não conseguia enxergar em campo aquele time ofensivo que havia goleado a Tchecoslováquia na estreia por 4 a 1.

O Brasil foi colocado na roda pela Inglaterra. Carlos Alberto Torres iniciou a única chance de gol do time canarinho no primeiro tempo, aos 11 minutos. Foi a vez do goleiro Gordon Banks brilhar.

Capita cruzou e o Rei subiu alto para cabecear. Pelé testou firme, para baixo, no canto direito. O que Banks fez é praticamente indescritível, como que tirando a bola de dentro do gol. Porém, a defesa que decidiria a partida ainda estava por vir.

Pelé e Rivellino eram anulados pelos zagueiros. Passaram a ser, inclusive, vaiados pela torcida por simularem faltas. Os ingleses pareciam não temer a seleção brasileira, partindo para cima.

Foram nada menos que seis chances claras de gol para a Inglaterra. A torcida mexicana já cantava “England” nas arquibancadas, dando o gol como uma mera questão de tempo.

A camisa amarelinha parecia não ter o mesmo brilho. Piazza estava desatento na defesa e Clodoaldo chegou até a cair no chão após um drible desconcertante de Bobby Charlton.

A sorte britânica, porém, foi lançada aos 31 minutos. Francis Lee não sabia, mas seria o protagonista de um lance que mudou não apenas os rumos daquele jogo. Talvez de toda a Copa do Mundo.

Lee se viu sozinho na frente do gol. A bola estava no ar, em uma posição ideal para que ele cabeceasse para o fundo das redes. O inglês não teve dúvidas e testou com força.

A cabeçada foi perfeita, não havia como ser melhor. No entanto, ele não contava com o maior milagre da carreira de Felix. Com um reflexo incrível, aquela mão sem luvas salvou o Brasil.

Ninguém acreditava que era possível. Lee estava a um palmo de distância de Felix. O goleiro contou com uma elasticidade surpreendente e defendeu a bola que decidiria o jogo.

Lee, talvez incrédulo com o lance, chutou o rosto de Felix enquanto ele estava caído no campo. Foi o suficiente para iniciar uma enorme confusão na área brasileira e acirrar os ânimos.

Felix salvou a seleção brasileira do gol e, de quebra, deu ao time a motivação que faltava. O árbitro israelense Abraham Klein ignorou a agressão e decidiu não expulsar o atacante inglês.

Um erro tremendo. No lance seguinte, Carlos Alberto Torres deu uma entrada violentíssima no britânico. A vitória se tornou uma questão de honra para os brasileiros, para fazer justiça a Felix.

O time de Zagallo voltou do intervalo como se houvesse renascido das cinzas, muito mais concentrado e ofensivo. O segundo tempo começou com um jogo extremamente equilibrado.

Se quase todas as jogadas inglesas passavam por Bobby Charlton, as brasileiras começavam nos pés de Rivellino. As chances foram surgindo e Pelé foi acordando no jogo.

A disputa era alucinante. Aos 15 minutos, após um passe açucarado de Tostão, Pelé dominou e tocou para Jairzinho. Uma patada. Uma bomba. Uma paulada. Um golaço para o Brasil.

O goleiro Gordon Banks não teve chance de nada. A seleção brasileira ganhava ali a torcida mexicana. A festa verde e amarela passou a pintar as arquibancadas do estádio Jalisco.

No entanto, ainda tinha jogo pela frente. Os ingleses sentiram o baque e tentaram igualar logo em seguida. Só que a zaga brasileira estava bem mais atenta e sem dar espaços.

Mesmo quando havia chances, Felix garantia no gol. O próprio time canarinho parecia mais tranquilo, como quem tinha certeza de que, após aquele milagre, o goleiro não sofreria gols.

E assim foi. Enfrentando um bombardeio inglês sem luvas, uma cabeçada fulminante sem espaço e um chute covarde no rosto, Felix calou os críticos e mostrou por que era o camisa 1.

Dali para frente a seleção brasileira deslanchou. Assim como Pelé, Tostão e Carlos Alberto Torres, o goleiro Felix foi campeão do mundo naquela que é considerada por muitos a melhor seleção brasileira em todos os tempos. Um herói na meta.