* Colaborou Leandro Paulo Bernardo
“Dessa história, meus ouvidos foram testemunhas”
Nasci e cresci em Garanhuns, embora nunca tenha morado por lá. Meu pai fazia lotação de Quipapá até a cidade das flores e estudei no Colégio Santa Sofia. Todo dia passava por uma casa da qual a arquitetura peculiar dos anos 1930 me encantava pela formosura. Ela ficava na Rua XV de Novembro, próximo à esquina com a Rua Nilo Peçanha – logradouro do meu colégio – e perto de onde meu pai estacionava.
Anos depois, quando já estava trabalhando em Garanhuns, soube que aquela casa era um ponto comercial da família do maior jogador da história da cidade e um dos maiores ídolos do América de Recife: Oseas.
Oseas José dos Santos nasceu em 21 de fevereiro de 1923 na cidade de Correntes. Aos 16 anos, mudou-se junto com a família para Garanhuns e logo se apaixonou pelo futebol da AGA, a Associação Garanhuense de Atletismo, e passou a jogar pelo “clube lavadeira” em amistosos e em jogos da Liga Municipal de Futebol.
Em 1940, um amigo chamado Agenor o convidou para vir a Recife jogar profissionalmente pelo Sport Club Flamengo, primeiro campeão pernambucano em 1915. No entanto, depois de algumas partidas, resolveu voltar para Garanhuns.
O pai de Oseas não queria que o filho seguisse a carreira de jogador e tentou de tudo para que ele ficasse o ajudando no comércio da família. Porém, a fama de craque do agreste meridional chegou ao fortíssimo América, que contratou Oseas em 1942.
Oseas vestiu a camisa 11 e foi o grande comandante do Mequinha no último titulo estadual do esmeraldino, em 1944. Marcou o primeiro e o terceiro gols na final contra o Náutico, a qual o América venceu por 3 a 0. O Mequinha, assim, desempatava a disputa pelo segundo lugar com o Santa Cruz em conquistas estaduais – seis a cinco.
A carreira dele seguia normalmente até o dia 10 de janeiro de 1946. A Portuguesa de Desportos veio fazer alguns amistosos no Recife e Oseas se destacou muito, marcando um gol e fazendo a jogada para outro. O jogo terminou empatando por 2 a 2 no estádio dos Aflitos e a Lusa iniciou uma “verdadeira novela” com Rubem Moreira para contratar o atacante.
O clube paulista lutou muito para contratar Oseas, porém, Rubem Moreira se negava a vender o maior craque. Dois anos depois, surgiram propostas do Botafogo e do Bahia. O clube carioca esteve perto de adquirir o passe de Oseas, mas Rubem Moreira queria a bagatela de 50 contos de réis – Ademir Menezes tinha sido vendido do Sport para o Vasco por quinze contos.Assim, não houve um acordo financeiro.
O atacante, em pleno auge da carreira, resolveu abandonar o Mequinha, estava cansado do futebol e foi estudar Contabilidade. No inicio de 1949, Oseas voltou para Garanhuns e para a AGA, passando a jogar apenas competições amadoras.
A saída do atacante gerou uma comoção gigantesca na mítica sede do clube na estrada do Arraial, talvez pudesse ser até relacionada com a letra do tango “Ausência”, de Carlos Gardel.
“Por eso tango, yo quiero que vos,
cuando me aleje de aquí,
me acompañes con tus sones y
los bandoneones que giman por mí”(“É por isso que eu quero tango,
quando eu sair daqui,
você me acompanha com seus sons
e os bandoneões que geme por mim”)
A partir de 1951, Oseas passou a integrar o forte time do CSE que ficou invicto entre 1949 e 1952 – perdeu a invencibilidade no dia 20 de abril de 1952 contra o Othon Esporte Clube de Fernão Velho por 3 a 1.
Em junho de 1952, o CSE conquistou o primeiro troféu oficial, a Taça Emerentino Costa, ao derrotar o Ypiranga da cidade de Pão de Acúcar. O time base era formado por Valdo I, Bernardino e Lolo, Valdo II, Zé Etelvina, Athaide, Dirceu Souza, Tonheiro, Morais, Oseas e Elisiário.
Três anos depois da separação, “os sons” da torcida esmeraldina tiveram a chance de “chamar por Oseas novamente”. Como Oseas vinha se destacando muito no CSE de Palmeira dos Índios, a direção do Mequinha tentou resgatar o último grande heroi para um desafio gigante.
O Chacarita Juniors, da Argentina, estava excursionando pelo Nordeste, iria enfrentar o Mequinha na Ilha do Retiro no primeiro dia de 1953 e o time esmeraldino queria Oseas de qualquer jeito para o jogo.
Oseas não aceitou retornar ao América, que acabou perdeu por 3 a 1 do Chacarita Juniors na melhor exibição do craque funebrero Francisco Campana no Brasil.
No final de 1952, a Lusa tinha contratado outro ídolo do América, o alagoano Tomires, dando-lhe um “afago” que durou pouco tempo, pois ele rapidamente foi negociado com o Flamengo. Desse “caso de amor” não concretizado entre a Lusa e Oseas, acrescida da contratação de Tomires, pode ser feita uma analogia com o Tango Triste de Anisio Silva – que gravou seu primeiro disco justamente em 1952.
“Se você que está ouvindo este tango,
E por amar sofre tanto quanto eu.
Relembrando seu amor talvez distante,
Dando a outro o carinho que foi seu”
Oseas seguiu no amadorismo da AGA e nos campeonatos do interior do CSE. Em 1953, a federação alagoana organizou dois campeonatos estaduais, um com times da capital e outro com times do interior que ao final seria decidido pelos vencedores de cada. Pelos resultados nos anos anteriores, todos já aguardavam um possível confronto do CSA do jovem Dida – artilheiro do alagoano de 1952 – contra o CSE de Oseas, contudo, a história foi diferente.
Na decisão do interior, em Palmeira dos Índios, o ASA estava vencendo por 1 a 0, quando a partida foi interrompida pelo juiz Waldemar Breda aos 35 minutos do segundo tempo devido a fortes chuvas. O jogo foi marcado para o domingo seguinte, mas terminou com muita pancadaria no campo, fora de campo e até na feira de Arapiraca no dia seguinte.
O ASA foi o campeão do interior e iria enfrentar o Ferroviário, que derrotou o CSA. Com a recusa do Ferroviário em disputar uma melhor de três jogos contra o ASA, a federação alagoana proclamou o time arapiraquense campeão alagoano de 1953.
Oseas continuou alternando jogos pela AGA e CSE até 1960, chegou até a recusar convites do Sport e do Náutico. A Portuguesa conquistou a Fita Azul em 1951, 1953 e 1954 com uma boa parte do elenco daquele amistoso contra o América em 1946. Tomires e Dida chegaram ao Flamengo e ficaram conhecidos nacionalmente. O América nunca mais foi grande, mesmo com Rubem Moreira comandando a federação pernambucana a partir de 1955 e ficando até 1982 – era conhecido como vice-rei do Nordeste.
O CSE só retornou a jogar competições oficias em 1966 e continua sem conquistar títulos. A AGA foi campeã do interior em 1968, mas só jogou Campeonatos Pernambucanos oficiais entre 2001 e 2004. O Chacarita Juniors conquistou o único Campeonato Argentino em 1969 e um dia ainda vou publicar um livro sobre futebol, no qual terá um capítulo especial: Um frevo para Chacarita, um forró de Campana e dois tangos para Oseas.
Após deixar o futebol, Oseas (casado e com seis filhos) continuou como comerciante, em algumas ocasiões foi treinador na AGA, e passou a gerenciar um setor numa grande loja em Garanhuns: a S Moraes. Meu pai era amigo de muitos funcionários dessa loja e, após o Mundial de 1986, sempre que ele me levava por lá pediam para que eu, no auge dos meus quatro anos, escalasse as seleções daquele Mundial. Caprichava bem no time da França (Bats, Bossis, Giresse, Tigana, “Rochitô” e Platini), mal sabendo que por ali havia um senhor fino e educado que podia ter representado o Brasil muito bem em qualquer competição.
Hoje fico imaginando o quanto ele teria sido gigantesco para a história do futebol nacional se tivesse ido para a Lusa e jogado com Julinho Botelho, no Botafogo com Mané Garrincha ou no Bahia com Marito – os três maiores pontas direitas da história do futebol nacional.
Certa vez, estava conversando com antigos conhecedores de futebol de Garanhuns e algo entrou nos meus ouvidos para a eternidade: “o América fez de tudo para não vendê-lo, veio depois procurá-lo para um amistoso contra um time do estrangeiro… Aí foi a fez dele dizer não, mas com muita dificuldade pois ele amava aquele time”.
Oseas ainda prestou serviços à Prefeitura de Garanhuns até se aposentar. Teve um derrame aos 72 anos, que paralisou os membros do lado esquerdo… justo aquela perna esquerda que marcou inúmeros gols. Morreu aos 84 anos, no dia 1º de fevereiro de 2008, sendo o último jogador campeão pernambucano de 1944 vivo.
O antigo ponto comercial da família ainda tem a mesma fachada quase centenária. Torço para um dia ser tombado como patrimônio imaterial do futebol. Oseas foi sepultado no Cemitério São Miguel, em Garanhuns, mesmo local onde foram sepultados os cantores Dominguinhos e Augusto Calheiros. Mas aí já será outra história com outras músicas…
* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa