Guia da segunda divisão de Alagoas

*Colaborou Leandro Paulo Bernardo

Em alguma crônica passada, já afirmei que se o futebol fosse um livro de história o capítulo referente à Grécia antiga seria o futebol uruguaio. Com certeza, o futebol alagoano também seria um capítulo importante neste livro, tal qual já é nos livros comuns.

Até mesmo a segunda divisão, com apenas quatros times, possui passagens marcantes em cidades com personagens importantes na história e cultura do Brasil. A minha inspiração para esse “guia da segunda divisão” veio da foto de um simples treino do Jaciobá às margens do Rio São Francisco, postada no blog do clube. Foto que já mandei enquadrar.

 

Associação Sportiva São Domingos

O único clube profissional em atividade que usa as cores da bandeira de Alagoas foi fundado no dia 1° de setembro de 1964 pelo carioca e ex-jogador de Bangu e Vasco, Valdemar Santana.

Ele veio a Alagoas para trabalhar na Marinha e era colaborador do antigo Orfanato, o atual Lar São Domingos. Como via bons jogadores no orfanato, resolveu formar uma equipe de futebol com os jovens ali internos.

O primeiro nome foi União Portuária São Domingos. Em 1967, o clube já era campeão estadual juvenil, chamando a atenção dos esportistas do estado de Alagoas. Em 1970, passou a Associação Sportiva São Domingos e disputou o primeiro estadual.

Em 1971, se destacou ao vencer o CSA e o CRB várias vezes. Tanto que, mesmo terminando em 3° na pontuação geral, ficou na frente do CSA e do CRB – respectivamente campeão e vice.

Revista Placar 1971

Revista Placar 1971

Jogou a segunda divisão do Campeonato Brasileiro em 1972, quando ficou na lanterna do grupo formado por Atlético-BA, Itabaiana, Central, Confiança-SE e Fluminense.

Sempre formou times competitivos. O auge veio em 1988, quando foi vice-campeão estadual, perdendo o título para o CSA em um quadrangular que ainda tinha ASA e CSE. Na época, mandava os jogos em Murici e se chamava Associação Muriciense São Domingos.

Em pé: Sapão (roupeiro), Edmilson, Lalinho, Edvaldo, Alfredo Santos, Pinheiro e Everaldo;
Agachados: Ivanildo, Roberto Bionico, Freitas, Gilson Baiano, Jarci e Zé Galinha (Massagista). Foto arquivo Gustavo Correia.

Em pé: Sapão (roupeiro), Edmilson, Lalinho, Edvaldo, Alfredo Santos, Pinheiro e Everaldo;
Agachados: Ivanildo, Roberto Bionico, Freitas, Gilson Baiano, Jarci e Zé Galinha (Massagista). Foto arquivo Gustavo Correia.

Foi rebaixado em 1989 e só voltou após ser campeão da segunda divisão em 1999, quando nenhum outro clube se interessou em participar da competição. Em 2000, foi rebaixado e nunca mais voltou.

O clube retornou para Maceió e se estabeleceu no povoado de Massagueira, município de Marechal Deodoro. O Tricolor da Igreja é comandado pelo advogado Cordeiro Lima há mais de 30 anos e está construindo o estádio com recursos próprios. Contudo, os jogos nesta segunda divisão não serão no Cordeirão, que ainda não está totalmente pronto. Provavelmente, vai mandar os jogos no Rei Pelé.

Foto André Marechal

O povoado de Massagueira, distante 15 quilômetros de Maceió, é um dos lugares mais famosos quando se refere à culinária típica de Alagoas. Situado à margem da Lagoa Manguaba, a pequena vila é habitada, sobretudo, por pescadores que tiram caranguejos, siris, massunins, camarões, sururus e peixes, que são vendidos aos restaurantes estabelecidos na localidade.

Foto André Marechal

Foto André Marechal

A cidade de Marechal Deodoro foi fundada em 1611 com o nome de povoado de Vila Madalena de Subaúma. Teve fundamental importância na proteção do pau-brasil. Após a Revolução Pernambucana de 1817, passou a ser a capital da capitania de Alagoas, criada nesse ano, tendo o nome alterado para Alagoas da Lagoa do Sul. 

Com a forte influência comercial do Porto de Jaraguá, a capital da província de Alagoas passou para Maceió em 1839.

Cem anos depois, em 1939, o nome da cidade foi mudado para o atual, em homenagem ao filho ilustre Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, alagoano que proclamou a República e se tornou o primeiro presidente do Brasil, nascido na cidade em 5 de agosto de 1827.

Em 16 de setembro de 2006, dia da emancipação política de Alagoas, foi considerada pelo Ministério da Cultura como Patrimônio Histórico Nacional. A famosa praia do Francês fica em Marechal Deodoro.

FF Sports Porto Calvense

FF Sports Porto Calvense

FF Sports Porto Calvense

O clube-empresa presidido por Francisco Ferro, ex-mandatário do CSA, foi fundado em 2009 e é um dos principais nômades do futebol brasileiro.

Embora tenha “nascido” em Maceió, mandou os primeiros jogos em Coruripe. Em 2013, mudou de nome para FF Colegiense e passou a jogar no Estádio Deputado Adalberto Cavalcante, em Porto Real do Colégio. Depois, mudou-se para Murici. Em 2016, para Iraci. E, no início de 2018, se estabeleceu em Porto Calvo.

Mudou de nome para FF Sports Porto Calvense e pretendia jogar no estádio Pedrosão em Porto Calvo. Porém, este não foi liberado, assim como o estádio do São Sebastião. Em janeiro de 2017, o Nivaldão foi cedido para a prefeitura de Porto Calvo.

O FF Porto Calvense informou à federação que vai mandar as partidas no estádio Edvanil Cavalcante Navarro, em Matriz de Camaragibe. No entanto, a aprovação da praça esportiva ainda depende da apresentação de laudos do Corpo de Bombeiros. Caso o estádio em Matriz não seja aprovado, a alternativa seria estrear na cidade de Capela, no estádio Manoel Moreira.

Apesar dessa “batalha campal”, o clube será o representante do litoral norte do estado, que há muito tempo não tem equipes na primeira divisão. A região já teve o citado Sport Club São Sebastião de Porto Calvo em 1978, 1979, 1983, 1990 e 1991, além do Bom Jesus de Matriz de Camaragibe entre 2002 e 2006.

Porto Calvo é uma das cidades mais antigas de Alagoas. Como vila, já existia desde o século XVI. Foi um dos primeiros lugares a receber os portugueses e a cultura canavieira. Muitas áreas da mata nativa foram derrubadas e vários índios, expulsos. Era uma das áreas mais ricas da então Capitania de Pernambuco. O nome vem de uma lenda que cita um velho calvo, morador das margens de um rio local, e que havia construído um porto, conhecido como “Porto do Calvo”.

A principal personalidade histórica de Porto Calvo é Domingos Fernandes Calabar, figura controversa na história do país, que serviu de inspiração para peça teatral, operação policial e até livro considerado subversivo na era Vargas. Uns o consideram herói e outros o consideram um traidor da pátria por ter se aliado aos holandeses para combater os espanhóis e portugueses.

Em julgamento simbólico realizado no fórum em Porto Calvo, em julho deste ano, Calabar foi absolvido do crime contra a pátria. De acordo com o conselho de sentença, composto por especialistas em História e Direito, o portocalvense ao apoiar a invasão holandesa acreditava que estava defendendo a liberdade brasileira do domínio de Portugal, já que a Holanda poderia trazer benefícios econômicos ao Brasil.

Memorial Calabar em Porto Calvo


Memorial Calabar em Porto Calvo

O ato que marcava os 383 anos da morte de Calabar por enforcamento foi promovido pela Prefeitura de Porto Calvo, em parceria com o Ministério Público, o Poder Judiciário, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública, a Associação do Ministério Público de Alagoas (Ampal) e a Associação dos Magistrados de Alagoas (Almagis).

O procurador de Justiça Geraldo Magela, responsável pela acusação, fez um levantamento histórico da conjuntura que levou a Holanda invadir o Brasil, para mostrar que Calabar cometeu o crime de trair a pátria ao facilitar que os holandeses pudessem entrar ilegalmente no país.

De acordo com o advogado de defesa José Ailton, os portugueses e holandeses eram exploradores. No entanto, Calabar enxergou que os exploradores vindos da Holanda poderiam ser uma melhor opção por ver que eles davam liberdade de pensamento, religião e expressão.

Segundo a defesa, naquela época não havia sentimento patriota. Das 15 pessoas que compuseram o júri, 14 votaram pela absolvição. Apenas o cônsul honorário de Portugal em Alagoas optou pela abstenção.

Jacyobá Atlético Clube

Embora tenha mudado recentemente o escudo e trocado o Y por I na nomenclatura oficial, o Jacyobá Atlético Clube, de Pão de Açúcar no sertão de Alagoas, foi fundado no dia 25 de janeiro de 1964.

Tinha grande rivalidade local com CSI, o Centro Sportivo Internacional.

Em 1991, o Internacional estava na primeira divisão e o Jacyobá na segunda. Por pouco a cidade não teve duas equipes no estadual de 1992, já que o azulão ficou com o vice-campeonato. Contudo, apenas o Capela conseguiu o acesso.

Em 1992, o Internacional foi rebaixado e apenas em 1999 a cidade voltou a ter uma equipe na primeira divisão – com o título da segunda divisão do Jacyobá no ano anterior.

Foto arquivo Lauthenay Perdigão do Carmo

Foto arquivo Lauthenay Perdigão do Carmo

Fez um campeonato razoável, ficando em 8° entre 12 equipes – três foram rebaixadas. No entanto, por problemas financeiros, não disputou o campeonato de 2000 e se ausentou por um longo período de competições profissionais. O estádio Elísio da Silva Maia, com capacidade para quatro mil pessoas, está interditado. O clube mandará os jogos na cidade de Olho d’Água das Flores.

O nome do clube tem um significado belo e raro. D. João VI doou uma grande quantidade de terras aos índios Urumaris, que vivia às margens do rio São Francisco. Ao observarem o reflexos da lua nas águas do rio o índios, batizaram de Jacyobá: “Espelho da Lua” em guarani.

Em 1660, por meio de uma carta de sesmaria, a região passou para o domínio do português Lourenço José de Brito Correia, que iniciou uma fazenda de gado e batizou a região de Pão de Açúcar, devido a um morro no entorno da vila. Tornou-se cidade em 1877 e recebeu a do imperador D.Pedro II nos dias 17 e 22 de outubro de 1859. No diário de viagem, depositado no Museu Imperial, escreveu: “a vista do Pão de Açúcar é bonita”.

Pão de Açúcar é a cidade natal de Manoel Bezerra Lima, o Mozart Alagoano, grande violonista e compositor. Era deficiente visual e fez sucesso nos anos 20 e 30 com o grupo Os Turunas da Mauricéia, conjunto formado no Recife em 1926 e que tinha Augusto Calheiros, Luperce Miranda, João Frazão, João Miranda e Romualdo Miranda.

O nome do grupo foi dado pelo historiador Mário Melo, em referência aos tempos do domínio holandês de Pernambuco e ao governo de Maurício de Nassau. Turuna é uma palavra de origem tupi cujo significado é negro poderoso, valente. Com o fim do grupo Manoelito, fez bastante sucesso em excursões por teatros na América do Sul. Atualmente existe uma Avenida Manoelito Bezerra de Lima em Pão de Açúcar.

Curiosamente, a cidade tem um Cristo Redentor, inaugurado no dia 29 de janeiro de 1950 e obra do escultor João Lisboa. Do alto do Cristo, vê-se toda a cidade, o rio São Francisco, as diversas praias e o povoado de Niterói, localizado na outra margem do rio e pertencente à cidade sergipana de Porto da Folha.

Sociedade Sportiva Sete de Setembro

Na teoria, será o único representante da capital na segunda divisão. O clube foi fundado no dia 7 de setembro de 1945 por Manoel Antonino Martins e fica localizado no bairro Tabuleiro dos Martins.

Foi uma das primeiras equipes formadas na parte alta de Maceió, já que todos os outros estavam ligados ao remo na Lagoa Mundaú, à rede ferroviária ou à zona portuária.

Apenas nos anos 1990 a equipe ganhou um pouco de notoriedade ao ser campeã da segunda divisão em 1994. O Canarinho do Tabuleiro – não confundir com o Ipanema Canarinho do Sertão – viveu os melhores resultados em 1995, quando conseguiu uma vitória contundente sobre o CSA pelo placar de 2 a 1, eliminando o time azulino.

O Sete passou ao quadrangular final do primeiro turno com CRB, Capela e Batalhense e foi semifinalista na fase final. No mesmo ano, o Sete de Setembro disputou a Série C do Campeonato Brasileiro, quando ficou na lanterna do grupo – Porto Caruaru, CSA e Desportiva Vitória.

Sete de Setembro em 1995. Foto arquivo Museu dos Esportes

Foi rebaixado no estadual de 1999 e só voltou para a primeira divisão em 2016, após o título da segunda divisão de 2015 – campeonato que teve apenas Sete, São Domingos e Penedense.

Time campeão de 2015

Foi rebaixado novamente em 2017, porém, no mesmo ano conseguiu ser campeão estadual sub-20 e representou o estado na Copa São Paulo de Juniores.

Por mais de 30 anos, o “4S” é comandado por João Batista da Silva e possui um estádio que leva o nome do patrono do clube, porém como não está regularizado talvez o Canarinho mande os jogos no João Gomes da Costa, em Murici, o mesmo local da campanha de 2015.

O povoamento do Tabuleiro teve início a partir de um sítio de João Martins de Oliveira, operário têxtil que após o casamento com Stella Cavalcante em 1911, adquiriu um terreno nas proximidades do local de trabalho, na parte mais alta, onde o preço era mais baixo.

Com o sítio, passou a fornecer madeira para a fábrica têxtil, ampliando a renda familiar.

 O casal teve dez filhos e viveu junto por 51 anos. Eram tratados como benfeitores por oferecerem, além da moradia, água e até professores para a educação das crianças, quase todas afilhadas de batismo do casal. Atendendo a pedidos de amigos e parentes, permitiram que outras moradias fossem erguidas no sítio. Como não cobrava aluguel, a ocupação se deu rapidamente e logo já se tinha algumas ruas delineadas.

Durante muitos anos, o bairro sofreu com a falta de água encanada e energia elétrica. Esses benefícios só foram implantados em 1950, depois da Segunda Guerra Mundial, quando benfeitorias foram realizadas na região pelas tropas americanas, que estabeleceram uma base de balões dirigíveis a alguns quilômetros.

Até 2000, toda a parte alta de Maceió até o aeroporto em Rio Largo era considerado Tabuleiro. Atualmente, é o quinto maior bairro da Capital.

Espero que o campeonato de 2019 tenham mais equipes, juntamente com o CSE, Penedense e Zumbi. Serão mais histórias, com outros grandes personagens históricos.

* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa