Ipanema Atlético Clube

* Colaborou Leandro Paulo Bernardo

Em seu percurso natural, o Rio São Francisco passa por cinco estados, em quatro desses as conquistas de campeonatos estaduais é predominantemente dos clubes das capitais banhadas pelo Oceano Atlântico – a geografia não “banhou” Minas Gerais, porém, a predominância por lá também é da capital. O futebol do sertão sempre tentou vencer essa seca.

Antônio Conselheiro profetizou, Patativa do Assaré descreveu em versos, enquanto Sá & Guarabira cantaram: “o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”. Se essa lenda for traduzida para o futebol, a primeira tentativa de “molhar a seca de títulos” ocorreu no Campeonato Alagoano de 1992 com o Ipanema Atlético Clube.

O time da cidade de Santana do Ipanema foi fundado no dia 5 de maio de 1933. Durante muito tempo o Canarinho do Sertão jogou campeonatos amadores no sertão de Alagoas. O rio Ipanema, que banha a cidade apesar de não ser perene, é um dos últimos afluentes do Rio São Francisco, até esse encontrar o mar em Piaçabuçu no litoral alagoano.

No final dos anos 1950 viveu o auge ao ser tricampeão do interior. Na época, o patrono do clube era Sebastião Pereira Bastos, um engenheiro do DNOCS, o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca. Havia uma lenda de que alguns atletas eram atraídos para jogar no clube em troca de “empregos fantasmas”.

 

Ipanema anos 60. Arquivo de Luiz Antônio Farias

Ipanema anos 60. Arquivo de Luiz Antônio Farias

Em pé: Márcio Pinto, Malheiro, Índio, Zé de Moreninho, Zezinho Pacoema e Jair “Bate Estaca”. Agachados: Mané do Bode, Zé Cuinho, Joãozinho, Zuza e Severiano Paraná.

O clube manda seus jogos no estádio Arnon de Mello – jornalista, político alagoano e pai do ex-presidente Fernando Collor. Desde a fundação do estádio sempre houve dificuldade para manter o gramado verde. Em algumas fotos e vídeos do clube é possível observar a ausência da grama. Porém, é na sua localidade que surgiram outras lendas.

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Com capacidade para cinco mil torcedores, fica ao lado do cemitério Santa Sofia, sendo separado apenas por um muro sem tela de proteção. Algumas bolas já danificaram vários jazigos e, em alguns jogos, o coveiro trabalha como gandula recuperando as bolas que caem no cemitério. Nos anos 1990, chegaram a atribuir o fracasso do Canarinho a uma “Maldição da Vizinhança” pela perturbação do sono eterno.

Em 1990, o clube jogou seu primeiro estadual profissional após vencer uma seletiva no ano anterior. Realizou a primeira partida em um Campeonato Alagoano no dia 4 de fevereiro ao perder por 3 a 2 para o CRB em casa. Romildo e Xexéu marcaram para o Ipanema. O canarinho terminou aquele campeonato na última posição.

Dois anos depois, a Federação Alagoana de Futebol “convidou” o Ipanema para jogar o campeonato, alegando que a competição precisava chegar ao sertão, apesar da presença do Internacional de Pão de Açúcar – cidade às margens do Rio São Francisco. Muita gente achou que era um lobby da federação para agradar o então Governador Geraldo Bulhões, natural de Santana do Ipanema, e conseguir maior apoio financeiro para um campeonato que duraria mais de nove meses.

O Ipanema contava no elenco com a experiência do zagueiro Timbó, a criatividade do meio-campista Mica e o faro de artilheiro do centroavante Valdo. O treinador era Natalívio Freitas, que comandou a boa campanha do Canarinho e chegando ao quadrangular final contra CRB, CSA e Capela.

O Galo da Pajuçara tinha larga vantagem no regulamento e sagrou-se campeão no dia 6 de dezembro. O Canarinho ficou com a segunda colocação após conseguir bom saldo de gols, especialmente após a goleada de 6 a 1 contra o Capela e da vitória do CRB por 5 a 2 no CSA.

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Em pé; Erivan, Kilson, Márcio, Timbó, Paulo Silva e César. Agachados; Cidinho, Nei, Valdo, Rui e Zé Neto.

O campeonato de 1993 começou um mês depois e o Canarinho manteve quase todo o elenco, fez nova campanha de destaque e chegou na terceira colocação. Natalívio Freitas foi considerado o melhor treinador dos Campeonatos Alagoanos de 1992 e 1993, foi contratado pelo CSA e solicitou a aquisição dos jogadores Mica e Valdo. O time Marujo, com a base intelectual do Ipanema, foi o campeão estadual naquele ano.

Ipanema 1993  Em pé; Pavão, Julival, Valmir, Quilo, Erival, Batista.  Agachados; Bento, Valdo, Everaldo, Mica, Nilton

Ipanema 1993
Em pé; Pavão, Julival, Valmir, Quilo, Erival, Batista.
Agachados; Bento, Valdo, Everaldo, Mica, Nilton

Em 1994, a seca e a estiagem chegariam novamente ao sertão e os recursos para bancar o clube diminuíram. O Ipanema foi rebaixado e só retornou para a elite em 2006 após conseguir uma vaga na segunda divisão no ano anterior a lado do CSA. O artilheiro daquele campeonato foi o atacante Fuscão com oito gols, até hoje o único jogador do Ipanema a ser o artilheiro de um campeonato oficial.

Nesse período, um jovem zagueiro que havia sido emprestado pelo Corinthians Alagoano se destacou como volante e acabou indo para o CRB. Era o jogador Luiz Gustavo, que futuramente se destacaria na Alemanha e jogaria a Copa do Mundo pela seleção brasileira.

O Ipanema ficou na elite até 2011, quando foi rebaixado. Venceu a segunda divisão de 2014, obteve a sétima colocação em 2015 contando com Aloísio Chulapa no elenco e em 2016 foi lanterna e novamente rebaixado. Nos estados do Velho Chico, somente o Jaciobá de Pão de Açúcar e o Juazeiro da Bahia chegariam a uma decisão estadual. Ambos ficaram com a segunda colocação, respectivamente, em 1998 e 2001.

Coincidentemente, após o início das obras da transposição do Rio, a cidade de Salgueiro, em Pernambuco, teve um grande crescimento na geração de empregos e um crescimento do time local a nível estadual e até nacional. Tornou-se a grande força do sertão nordestino, que também viu o nascimento e o crescimento do Juazeirense.

Com a chegada das águas da transposição inicia-se uma grande mudança geográfica e social em todo o Nordeste. Até para falar de “futebol do Velho Chico” passaremos a incluir Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, etc. Assim, as glórias do Icasa, Baraúnas e Souza mudariam todo esse enredo.

Atualmente, o Rio São Francisco original já perdeu 95% das matas ciliares, sofre um grave processo de assoreamento, recolhe o esgoto do vale e muitas cidades ribeirinhas, está cortado por inúmeras barragens, contaminado por metais pesados e sofre a ação contínua de um modelo de desenvolvimento que o agride sem piedade.

Enquanto isso, o sertanejo continua – acima de tudo – um forte. Mas aí já seria uma outra crônica para outro poeta, por essa esperamos apenas que o verso “o sertão vai virar mar” venha naturalmente para amenizar a seca. Contudo, que o inverso que causa “um medo que dá no coração” não concretize a profecia de que algum dia o mar também vire sertão.

* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa