Itabaiana x Central

* Por Leandro Paulo Bernardo

Revanche, eis uma palavra marcante no futebol que mexe com a memória dos apaixonados pela bola. Em minha vida já pude acompanhar várias, mesmo sem ter visto o primeiro confronto. Não assisti a final da Copa do Mundo de 1950, mas vi Brasil e Uruguai no Maracanã decidindo a Copa América de 1989. Não presenciei a final da Copa do Mundo de 1966, mas acompanhei a Inglaterra perder para a Alemanha na Copa de 2010 com um erro de arbitragem.

Nesse final de semana acontecerá uma “revanche” que também não vi o primeiro duelo, mas com certeza vou acompanhar cada detalhe desse encontro entre duas bandeiras do futebol do interior nordestino; Itabaiana versus Central.

São muitas semelhanças desse confronto decisivo pela penúltima rodada da primeira fase da série D de 2020 com o duelo pela também penúltima rodada da primeira fase da Taça de Prata de 1983. Aquela Segunda Divisão dava acesso para a Taça de Ouro do mesmo ano, por isso era uma competição rápida em seis grupos com seis equipes e apenas cinco jogos na primeira fase.

A Olímpica de Itabaiana estava invicta com dois empates e uma vitória, enquanto o Central tinha duas derrotas e uma vitória. O Tremendão tinha quatro pontos e a Patativa no desespero tinha dois pontos.

As equipes viviam bastidores totalmente adversos para aquele duelo. O Itabaiana vinha de um pentacampeonato estadual e o clima na Serra era da absoluta paz, apesar dos problemas financeiros no clube. O Tricolor da Serra tinha a base montada anos antes pelo argentino Juan Celly, mas naquela Taça de Prata era treinado por José Carlos Fescina que havia deixado o Central meses antes e indicando a contratação de três jogadores da Patativa; João Correia, Lucinho e Guiga.

Itabaiana 1983 Recorte Gazeta de Sergipe de 15/10/83

Itabaiana 1983 Recorte Gazeta de Sergipe de 15/10/83

Enquanto isso o Central vivia um clima de guerra entre dirigentes, torcedores e o treinador Jálber Carvalho que durante os treinos para aquela partida ameaçou colocar o ídolo e craque Paulinho no banco, chegando até a divulgar para a imprensa sua preferência por Alex ou Jandir ao invés do velho ídolo.

Central 1983

Central 1983

A única diferença para a atualidade é que aparetemente o Central vivia seu apogeu de paz financeira, inclusive o clube iria entregar a reforma do então estádio Pedro Victor de Albuquerque e o presidente Luiz Lacerda (atual nome do estádio) desejava ver as grandes equipes do país jogando em Caruaru. A torcida sabendo desse momento importante do clube organizou até caravana para Aracaju, em pleno sábado de Carnaval, já que o jogo seria realizado no Batistão.

Recorte do Diário de Pernambuco 03/02/1983

No dia do jogo Jálber escalou Paulinho como titular… e ele foi fundamental para a vitória da Patativa, organizando todo o meio de campo do alvinegro pernambucano. O Central marcou logo dois gols no primeiro tempo com Evilásio e Juarez O Tremendão foi para cima, mas a Patativa tinha o monstro Jorge Hipólito nas balizas para segurar os quase cinco atacantes adversários. O Itabaiana teve o desfalque do ídolo máximo Angioletti e o também artilheiro Florisvaldo estranhamente começou no banco de reservas. Evilásio marcou mais um para a Patativa que saiu vitoriosa daquele duelo.

Tabelão Revista Placar

Tudo deu certo para o Central naquela rodada, já que o Santa Cruz venceu o Campinense e disparou na ponta. Bastaria ao Central vencer o Alecrim (rival direto) na última rodada para garantir a vaga para a próxima fase junto com o tricolor do Arruda.

Já a tranquilidade do Itabaiana acabaria. O clube teria que vencer o Campinense fora de casa e torcer para um empate entre Central e Alecrim. Surgiu comentários, que até hoje é uma enorme lenda na Serra, sobre uma possível “facilitada” do treinador do tricolor para beneficiar seu ex-clube. Na última rodada contra o Campinense, Fescina não escalou os ex-jogadores do Central e voltou como titular o “gringo” Angioletti.

Um fato se aproximou da atual realidade alvinegra, na semana do duelo contra o Alecrim surgiu a noticia de que nove atletas do clube estavam com os salários atrasados e após uma reunião de Jálber Carvalho com o diretor de futebol Valdomiro Godoi numa quarta feira de cinzas tudo ficou acertado. Lendas a parte, deu tudo certo para o Central que bateu o Verdão Maravilha do atacante Nego Chico por quatro a zero, com quase sete mil pagantes no PV, e avançou de fase junto com o Santa Cruz.

Recorte Diário de Pernambuco 20/02/1983

Na fase seguinte o Central jogou uma das maiores partidas da sua história. Apesar de não ter ocorrido gols, o Guarani teve que colocar com quase cinco zagueiros para segurar a Patativa no Brinco de Ouro da Princesa, até Júlio César (titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1986) foi escalado como volante e com a função exclusiva de ficar o tempo todo marcando Paulinho.

O Guarani avançou de fase e conseguiu a vaga na Taça de Ouro por causa do saldo de gols, pois havia vencido o Maranhão por cinco a um em São Luís, enquanto o Central fez “apenas” três a zero contra o Bode Gregório em Caruaru. No segundo semestre o ídolo do Tremendão Nilson Hora, que pertencia na época ao Sport Recife, foi emprestado para o Central, contudo Juan Celly, maior treinador na história do Itabaiana e primeiro treinador remunerado do Central, jamais retornaria para treinar as duas equipes.

Nesse novo duelo por uma competição nacional, a Olímpica de Itabaiana está na ponta do grupo e dois pontos a frente do rival direto. O Central vai jogar com salários atrasados dos jogadores e precisando urgentemente da vitória para depender apenas de si na última rodada decisiva da Série D.

Este que vos digita está imensamente feliz por testemunhar mais um capítulo na belíssima história dessas resistências do futebol brasileiro… e a comparação com jogos de Copa do Mundo feita na abertura desse texto não foi mera hipérbole futebolística, já que a simples sobrevivência desses clubes é tão triunfante quanto o êxito máximo da bola.

* Este texto teve a colaboração de Matheus Lima; Advogado, pesquisador, conselheiro do Itabaiana e fundador do extraordinário Baú do Tremendão.