Esporte Clube Flamengo (PI)

* Colaborou Leandro Paulo Bernardo

Tenho o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa. Em ambos, presenciei e ainda presencio o “fundo do poço”, seja em rebaixamentos e decadência nas competições nacionais, seja em dívidas trabalhistas, seja na possibilidade de perderem os estádios e as sedes sociais.

Quanta falta de conhecimento da minha parte, afinal, nada se compara ao abismo que vive o Flamengo do Piauí. Entre os clubes de grande torcida que já estiveram presentes na primeira divisão nacional e que foram referência estadual, talvez seja a situação mais crítica.

O Esporte Clube Flamengo foi fundado no dia 8 de dezembro de 1937 pelo senador Raimundo Melo de Arêa Leão, sendo totalmente inspirado no homônimo clube carioca: cores, uniforme e escudo apenas acrescido do nome Piauí. Esteve em sete edições na primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

Também disputou quatro vezes a segunda divisão e 11 vezes a Copa do Brasil. Em 2001, chegou às oitavas de final, tendo inclusive eliminado o Sport Recife, com uma atuação inesquecível para mim do atacante Buziga. Foi o melhor desempenho de um clube piauiense na história da competição.

Detentor de 17 campeonatos estaduais, já foi apelidado de “Maior do Piauí”. Durante a rica história fez partidas inesquecíveis contra o River, o maior rival, no maior clássico estadual: o Rivengo. Porém, várias crises financeiras e administrativas mudaram a história do Flamengo.

Atualmente, o enredo que mais representa a situação do clube seriam as músicas do cantor piauiense Roberto Muller.

“Desde então os rios do meu pranto confortaram a cruz da minha dor.
Ninguém sabe que meus males são tão grandes
Que me partem, o coração”

Em 1988, o clube chegou ao tricampeonato estadual, sendo a 15° conquista estadual. Ficou atrás do River por apenas cinco campeonatos. Na partida final, contra o 4 de Julho de Piripiri, foi registrado um público de 24.759 pagantes, sendo mais de 90% de torcedores rubro-negros.

Mas ali seria um aviso das mudanças. Além de marcar o fim da excelente equipe que tinha como destaque os atacantes China e Etevaldo, o artilheiro das decisões…

Foto: arquivo pessoal

… com o enxugamento dos campeonatos nacionais, os times do Piauí sempre fizeram campanhas irrisórias nas divisões de acesso e até ficaram de fora de algumas edições. A última participação do Flamengo na segunda divisão nacional foi em 1989.

A arrecadação caiu bastante, o clube ficou sem condições financeiras de jogar o estadual de 1992 e manteve-se distante até mesmo de disputar uma Copa do Brasil. Foi uma década especial para os clubes do interior do Piauí, com as conquistas do 4 de Julho de Piripiri, Cori-Sabbá de Floriano e SEP de Picos. O Flamengo amargou um longo jejum de catorze anos, até ser campeão em 2003.

“Não sei o que faço sem você
Te quero de volta só para mim
Tenho sofrido muito tem sido tão ruim
Dias e noites, sempre assim”

Contudo, no campeonato estadual de 2007 o clube foi rebaixado para a segunda divisão pela primeira vez na história. Era comum a segunda divisão ser disputada no mesmo ano. O clube, porém, permaneceu na segundona devido a uma campanha irregular na competição.

Após arrecadar recursos com uma excursão nas Antilhas Holandesas e no Suriname em 2008, o Flamengo conquistou a Copa Piauí, que garantiu vaga na série D de 2009 e o retorno à primeira divisão. A fase persistiu no ano seguinte: o Flamengo sagrou-se campeão piauiense de 2009, por antecipação, conquistando o primeiro e o segundo turno da competição.

“Se um dia tu voltares 
Encontrarás abrigo
E Nunca, nunca mais
Eu brigarei contigo”

Apesar da conquista estadual, aquele ano marcaria negativamente a história do Flamengo. O clube tinha uma sede social na Avenida Barão de Gurguéia no bairro Bela Vista, na Zona Sul de Teresina, que acabou sendo vendida para a construção de um supermercado. Desde então, o rubro-negro virou nômade.

Torcedores denunciaram que a venda era ilegal, pois infringia o estatuto do clube. Alegaram que o valor da venda foi de pelo menos R$ 18 milhões, confrontando o valor de R$ 9 milhões exposto pela diretoria. O dinheiro seria utilizado para a construção de uma nova sede, no KM 7 da BR-316, próximo ao bairro Mário Covas, na Zona Sul de Teresina.

A Raposa ficou sem local para a realização de treinos e outras atividades. Alternava treinos no Jockey Clube, na Universidade Federal do Piauí e até em campos amadores de Teresina. A casa de um ex-presidente serviu como sede administrativa e depósito de troféus e documentos do clube.

“Lembro a saudade
Que hoje invade
Os dias meus
Para o meu mal
Lembro afinal
Um triste adeus”

Para mudar a “carga negativa” que pairava sobre o clube no início de 2010, a direção anunciou a contratação do atacante Jardel para a disputa do estadual, da Copa do Brasil – quando o Flamengo iria enfrentar o Palmeiras – e da série D. Já em final de carreira e muito acima do peso, o atacante nem lembrava o auge no Grêmio e no futebol português, inclusive faltando à própria apresentação. Oficialmente, o atacante jogou apenas três partidas e marcou um gol.

Na série D, repetiu a mesma situação de 2009, quando ficou na última posição do grupo ainda na primeira fase. A última participação do clube em competições nacionais foi na Copa do Brasil de 2014, quando foi eliminado pelo Atlético Goianiense na primeira etapa.

“És a minha obsessão
Tu és a poesia do meu sonho
És o meu povo e risonho
Meu amor, minha paixão”

Desde então, houve algumas mobilizações de dirigentes e torcedores para reorganizar o clube, inclusive algumas tentativas judiciais para recuperar o terreno da antiga sede.

Em 2015, a associação dos cronistas esportivos do estado, a APCDEP, trocou um terreno com a Prefeitura de Teresina por uma casa de menor valor localizada na Avenida Gil Martins, que deveria ser doado para a construção do novo CT do Flamengo através de um projeto da Prefeitura. A idéia não obteve sucesso, pois a própria Associação também queria o terreno para construir uma sede social.

Depois foi descoberto que a prefeitura de Teresina havia utilizado um terreno, que era de propriedade do Flamengo, na construção do Parque Lagoas do Norte. Houve uma negociação para a permuta de um terreno para o clube, que tenta quitar todas as dívidas por causa de processos trabalhistas, antes de começar a construção do local onde vai abrigar o lazer dos sócios e o centro de treinamento. Todavia, a doação do terreno por parte da Prefeitura está parada na Procuradoria Geral do Município.

“Estou aqui pra tudo isso pôr um fim
Desculpe, se ele te amasse de verdade
Ele não faria você sofrer tanto assim”

Em 2015, o Flamengo perdeu a final do estadual para o River e disputou a Copa do Nordeste do ano seguinte, sendo eliminado ainda na primeira fase. Em dezembro de 2016, a direção do Flamengo mudou o mascote do clube, voltando a adotar o Leão.

O animal tinha deixado de ser usado quando o time foi bicampeão piauiense em 1964/65, quando encerrou uma série histórica do River de seis conquistas estaduais consecutivas. O feito rubro-negro originou uma provocação entre torcidas sobre uma tal “raposa comedora de galinhas”.

Houve uma insatisfação na grande maioria dos torcedores que já estavam acostumados com o Raposão ao invés do Leão do Pirajá, apelido que surgiu na década de 1940. Dentro de campo, o Leão ainda não rugiu. No campeonato estadual de 2017, o clube ficou na antepenúltima colocação e, em 2018, a crise chegou ao ápice.

“Sem de mim ter piedade
Arrasou todo o meu ser
Hoje eu vivo sem saber
O que é felicidade”

Sem recursos, o clube usou oito locais diferentes para treinos na pré-temporada, ainda não pagou os salários dos jogadores, o que paralisou alguns treinos do Flamengo. Após a quarta rodada do estadual, o time teve a segunda saída de treinador. Jorge Pinheiro pediu demissão, sendo que Nivaldo Lacuna já havia sido demitido na segunda rodada. Alguns jogadores reclamaram das condições de treino e o clube não consegue regularizar alguns contratados no BID, como o zagueiro Índio – antigo ídolo do River – e o veterano meia Rosembrinck.

Nos últimos dias de fevereiro, o presidente Tiago Vasconcelos entregou o cargo se queixando do isolamento político e relatou enfrentar inúmeros problemas com orçamento desde o início do ano passado.

Nos cinco primeiros jogos, o Flamengo perdeu todos. Marcou quatro gols e tomou quinze. Pelo menos dentro de campo a torcida tem uma garantia: o Flamengo não será rebaixado. Afinal, o regulamento não prevê queda pelo fato da federação não conseguir organizar um campeonato da segunda divisão.

Torço para dias melhores no Flamengo e que a música “Uma cruz em meu caminho”, do próprio Roberto Muller aqui citado, seja o início da mudança no clube. “Encontrarei a felicidade, quem espera sempre alcança, e a última que morre é sempre a esperança”.

* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa