No centenário da Revolução Russa, os seis clubes de Sergipe que se inspiraram no movimento

*Colaborou Leandro Paulo Bernardo

Em outubro de 1917, a Revolução Russa gerou o primeiro país integralmente socialista. Em todo o mundo, vários segmentos culturais e sociais tiveram influência desses pensamentos e o esporte não foi exceção. No futebol, nenhum estado no Brasil assumiu tantas características do socialismo quanto Sergipe. Seis equipes se destacaram sob vários aspectos: origens, perseguições, coincidências, etc.

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O PIONEIRO NESSA HISTÓRIA

Um mês após a Revolução de Fevereiro (março de 1917, pelo calendário ocidental), que derrubou o Czar Nicolau II – no dia 3 abril de 1917 alguns comerciantes da cidade de Maruim, na Região Metropolitana de Aracaju, fundaram o Socialista Sport Club.

O formato do escudo e a presença das duas estrelas de cinco pontas não sofreram modificações, mas historicamente sempre houve divergências quanto às primeiras cores. Alguns afirmavam que o clube nasceu vermelho e branco, já seguindo as cores do socialismo, mas outros diziam que o clube nasceu verde e branco. Fato é que as cores verdes não foram aleatórias.

A famosa Estrela Vermelha, símbolo do socialismo, possui algumas historias que explicam a origem. Uma dessas hipóteses foi um suposto encontro entre dois personagens importantes da revolução russa: Leon Trotsky e Nikolai Krylenko.

Krylenko, um esperantista, trajava Estrela Verde no distintivo da lapela. Trótsky indagou o significado do símbolo e como resposta obteve que cada ponta da estrela representava um continente. Ao ouvir isso, ele afirmou que uma estrela similar deveria ser usada por soldados do Exército Vermelho.

A última competição oficial do Socialista foi o Torneio Inicio de 1967. Depois, o time passou a adotar a denominação de Centro Sportivo Maruinense e mudou o escudo antigo, expondo apenas as inicias CSM.

Alegou-se que a mudança de nome teve como objetivo criar uma identidade com a cidade, adotando o adjetivo gentílico na designação. No entanto, o clube temia retaliação pelas simbologias.  “Os periquitinhos”, apelido carinhoso atribuído ao Socialista, não conquistaram nenhum título. Em 1970, disputou o primeiro campeonato como Maruiense e atualmente disputa a segunda divisão estadual.

O Socialista teve um atleta chamado Robério Garcia que depois de aposentado foi presidente do Sergipe e da federação Sergipana de Desportos (entre 1959 e 1964).

Ele reorganizou o campeonato estadual unificando o campeonato de Aracaju e do interior. Foi deposto do cargo após o golpe militar de 1964, mesmo sendo irmão do ex governador Luis Garcia que era membro da UDN e posteriormente da ARENA.

Atualmente a Federação sergipana de futebol entrega uma comenda Robério Garcia para personalidades que contribuem ou se destacam no futebol estadual.

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A VERDADEIRA REVOLUÇÃO DO PROLETÁRIO

Embora a movimentação intelectual socialista no estado acontecesse no Cotinguiba, foi no Confiança que se concentrou uma revolução das massas que alterou a história do futebol sergipano.

Em 18 de outubro de 1907, o coronel Sabino José Ribeiro fundou a Fábrica Confiança, a segunda do setor de tecidos em Aracaju. Vieram diversos benefícios sociais, não somente para os operários, mas também para os familiares: assistência médica, casas creches e, por fim, uma Associação Desportiva.

Fundado em 1º de maio de 1936, no Dia do Trabalhador, a Associação Desportiva Confiança nasceu dentro da fábrica de tecelagem Confiança após uma competição de Voleibol, no bairro Industrial. Somente em 1949, a ADC criou um time de futebol se baseando na experiência do Santa Cruz de Estância e do Passagem de Neópolis. Pelas origens operárias, tão logo o clube recebeu um apelido muito comum aos trabalhadores após a revolução russa: Proletário.

Em 1951, conquistou o primeiro estadual ao derrotar o mítico Passagem de Neópolis na final – o clube ribeirinho também teve origem em fábricas de tecidos e ficava na Vila Operária. Em 1º de maio de 1955, o Confiança realizou o sonho de todo time de futebol: construir o prório estádio, o Sabino Ribeiro, o que geraria uma polêmica.

Na decisão do campeonato estadual daquele ano, o Confiança venceu o Sergipe na primeira partida por 3 a 1 no antigo Estádio Adolpho Rollemberg. A FSD, atual Federação Sergipana de Futebol, marcou a segunda partida da final novamente no Adolpho.

Não concordando com a decisão, já que queria decidir no próprio estádio, o Confiança se desfiliou da FSD e acabou com o departamento de futebol. Indignada com a atitude tomada pelo patrono do Confiança, a torcida proletária realizou uma grande passeata que praticamente cruzou a cidade até as proximidades da sede do clube.

Envolvido com o tal movimento, Joaquim Ribeiro foi até a multidão em um palanque improvisado e disse: “como é para o bem de todos e felicidade maior do clube, o Confiança fica e a Fábrica sai, porque o Confiança não pertence mais à Fábrica, o Confiança agora é do povo”.

Em 17 de fevereiro de 1957, o Confiança realizou um amistoso que marcou o retorno ao futebol. E não poderia ter sido em momento tão oportuno. O Confiança venceu o Bonsucesso/RJ por 3 a 1, realizando um feito para o futebol sergipano, sendo a primeira vitória de um time sergipano sobre times cariocas.

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O TUBARÃO ERA A RESISTÊNCIA

O primeiro clube de futebol do estado foi fundado por personalidades intelectuais e políticas de Aracaju, mas a partir da década de 1930 seguiu uma trajetória ideológica diferente. Seja no departamento de remo que permitia a inclusão de pescadores como sócios (algo impensável nos rivais Sergipe e Iate Clube), seja por ter muitos metalúrgicos e fundidores frequentando a sede (daí o apelido “decano da fundição”).

Com a propagação das ideias comunistas no Brasil, a sede do clube era constantemente frequentada para discussão dessa temática. Durante o mandato do presidente Getúlio Vargas e a ditadura militar, muitos membros dos partidos de esquerda tornaram-se sócios do Cotinguiba e marcavam reuniões secretas para produzir jornais e panfletos.

Alguns sergipanos ficaram até refugiados na sede do clube alvi-anil para fugir da polícia e do exército. Os troféus serviam para esconder documentos comunistas. O futebol do clube viveu o maior momento na década de 1950. Sob a batuta do craque Charuto o time era uma das forças do estado.

Na década seguinte, o clube passou a sofrer uma “perseguição oculta” em jogos do campeonato sergipano. Naquela época era comum que os árbitros fossem sargentos do exército e em todos os jogos do Cotinguiba havia lances polêmicos sempre desfavoráveis ao clube.

Algumas pessoas que acompanharam o futebol naquela época dizem que a decadência do clube nos gramados foi resultado da preocupação única do clube em promover as festas e acontecimentos na sede social ao invés de investir no futebol. Na década de 70 o clube promovia o bloco Tubarão da Praia, outro apelido do clube, e foi a primeira instituição no estado a organizar bailes gays.

Como as festas carnavalescas passaram a ser mais frequentes e com a forte concorrência das festas no Iate Clube e no Vasco Esporte Clube, a receita do clube sofreu um forte abalo no final dos anos 1980. Atualmente, a sede social continua imponente na Avenida Augusto Maynard com uma belíssima estátua do Charuto recebendo reuniões de sindicatos e o clube alternando participações esporádicas na segunda divisão do estado.

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EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL COM SOCIALISTAS

Até hoje, somente o Clube Sportivo Sergipe tem partidas contra seleções pré-olímpicas e clubes estrangeiros. Na década de 1960, enfrentou as seleções de Gana e Argentina, e em 2016 enfrentou a seleção do Japão. O que mais chama atenção nos seus amistosos internacionais, porém, foram as origens operárias e socialistas dos seus adversários.

Em 1969, enfrentou o Alianza Lima do Peru, que foi criado por jovens em 1901 e havia ganhado forte apelo popular a partir da década de 1920 quando a população carente de Lima se via representada no Alianza, como se a vitória dos azuis e brancos vingassem em campo as desigualdades sociais.

Totalmente diferente do rival Universitário, que havia sido fundado pela elite intelectual e financeira de Lima. Naquela década de 1920, o governo do presidente Augusto Lenguía, que havia estabelecido um regime populista semelhante ao adotado por Getúlio Vargas no Brasil na década seguinte, apadrinhou os aliancistas, que inclusive haviam se hospedado no terreno da a estrebaria dele.

Já os membros do Universitário se aliaram ao Partido Civil Peruano, principal grupo de oposição ao governo de Lenguía. Em 1970, após a inauguração do Estádio Lourival Baptista em Aracaju, em um jogo da seleção brasileira, o Sergipe recebeu para um amistoso o Sparta Praga da então comunista Tchecoslováquia.

O Sparta Praga foi fundado por operários em 1893 e, após a instalação do comunismo na Tchecoslováquia, passou a receber apoio do governo – que não via com bons olhos o rival Slavia em razão do clube ser o preferido da classe intelectual e estudantil, que o haviam fundado.

O Sparta veio ao Brasil com o intuito de disputar partidas e torneios amistosos. Chegou a jogar em Belo Horizonte o Torneio José Guilherme, que contou com as equipes de Atlético-MG, Cruzeiro e seleção da Romênia. Na tarde do dia 2 de fevereiro de 1970, houve o encontro entre Sergipe e Sparta.

Esperava-se que fosse quebrado o recorde de público em jogos internacionais, embora o jogo em plena segunda-feira atrapalhasse a expectativa. O então governador de Sergipe era o ex-udenista e então membro da ARENA, Lourival Baptista.

Ele esteve no estádio, que levava o próprio nome, para dar o pontapé inicial. Após uma série de solenidades em homenagem ao político, como inauguração de placa e presentes da federação, Lourival foi ao gramado para saudar os visitantes e dar o pontapé inicial na partida. O Sparta goleou o Sergipe por 6 a 0, e o forte preparo físico dos tchecos chamou a atenção da imprensa sergipana.

Em fevereiro de 1973, o Sergipe realizou mais um amistoso internacional, contra o Argentinos Juniors. O clube estrangeiro foi fundado no dia 15 de agosto de 1904 após um amistoso na Villa Crespo entre “Los Mártires de Chicago”, em homenagem a trabalhadores mortos nos Estados Unidos, e “Sol de la Victoria”, em homenagem ao Hino Trabalhista do Partido Socialista Italiano, onde se fala “il sole della vittoria”.

Ambos eram ativos em questões sociais-políticas e, tendo muitos sócios declaradamente socialistas, decidiriam se fundir, optando pela cor vermelha como bandeira, por ideologia. Em razão dos ideais, eles batizaram como “associação” e não “clube”. Afinal, pretendiam ter um espaço que superasse o esporte, sendo também um lugar de encontro para os trabalhadores tanto no social quanto no questionamento do sistema capitalista e pela luta dos imigrantes – que foi a origem da maioria.

O amistoso terminou sem gols. Nos anos seguintes, o Sergipe construiu o próprio estádio e se consolidou como maior campeão sergipano, embora tenha perdido força para os rivais ultimamente, tal como o Alianza Lima. Em termos de revelar talentos, mantém uma tradição desde 1939 e se compara a proposta de base do Argentinos Juniors, na qual a torcida preserva as origens socialistas, diferentemente da torcida do Sparta que tem se aproximado muito da ideologia de extrema direita.

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“TERROR TOCA PARA MOSCOU”… SEMPRE ?

Na cidade de Estância, no Sul do estado, a companhia industrial de Estância – Fábrica Santa Cruz – já tinha um pequeno campo de futebol desde 1930, construído nos terrenos da Vila Operária. Durante muitos anos serviu apenas para os amistosos do Santa Cruz, clube pertencente à fábrica desce 1931.

Reativado o Santa Cruz em 1937 pelos novos diretores da Fábrica, tendo à frente Julio César leite, além de Coriolano Alves de Oliveira, o campo da Vila Operária mereceu maiores cuidados. Quando, em 1947, o Santa Cruz filiou-se à Federação sergipana de Desporto, Julio Leite tinha o firme propósito de preparar um grande time de futebol para disputar o certame oficial.

Entre 1955 e 1957, o campo da Vila Operária ainda estava em reformas. O Santa Cruz então disputava os jogos no estádio Gonçalo Prado, em Maruim. Somente a partir de 1958 é que o campo da Vila Operária teve condições de abrigar jogos oficiais do campeonato.

Foi o primeiro clube do estado a ser pentacampeão sergipano, conquistando o campeonato estadual entre 1956 e 1960 – o primeiro hexacampeonato do Sergipe não foi em anos consecutivos – sendo vice-campeão em 1961 e 1964.

Para o Campeonato Sergipano de 1977, o clube foi buscar reforços e ofez duas contratações que chamaram atenção. Trouxe do rival Estanciano o zagueiro Terror e do Confiança o meia-atacante Moscou. Sempre em jogos do Azulão do Piauítinga era comum ouvir os narradores falando “TERROR toca para MOSCOU” mesmo quando a bola estava com outros atletas do Santa Cruz.

A equipe terminou o campeonato na 6ª colocação, Moscou anotou 13 gols. Anos depois, Moscou foi jogar no Estanciano e até hoje é considerado um dos maiores da história do Canarinho do Piauítinga. A última participação do Santa Cruz em competições oficiais foi o campeonato estadual de 1987. O clube está licenciado da federação, mas a estrutura do estádio na Vila Operária continua firme.

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A GUERRA FRIA MAIS RECENTE

No dia 7 de março de 1971, era inaugurado o maior estádio do interior de Sergipe: o presidente Emílio Garrastazu Médici, em homenagem ao então presidente do Brasil na época da inauguração. A primeira partida foi um empate sem gols entre Itabaiana e Grêmio.

Ao longo dos anos, outros estádios de futebol foram inaugurados em Sergipe e também receberam nomes de políticos: Augusto Franco, em Estância (a partida inaugural foi Estanciano e Itabaiana), Paulo Barreto de Menezes em Lagarto, Antônio Carlos Valadares em Maruim, João Alves Filho em Propriá e até mesmo o maior estádio de Sergipe, o Lourival Batista, em Aracaju. Coincidentemente, todos remetem a políticos da ARENA, o principal partido ligado aos militares que governavam o Brasil.

Apesar de ser propriedade estadual, durante muito tempo a manutenção foi exercida pela Associação Olímpica Itabaiana, tanto que o escudo do clube está presente atrás de uma das balizas. Recentemente, outra equipe da cidade também mandou jogos lá: o Coritiba Foot Ball Club.

Em 2010, o deputado estadual do PSB Gilmar Carvalho iniciou uma campanha para mudar o nome do Estádio e encaminhou um projeto ao então governador Marcelo Dêda. Após o falecimento de Marcelo Dêda, o vice- governador Jackson Barreto assumiu o governo do estado. O primeiro partido na história política de Jackson Barreto foi o PCB (Partido Comunista Brasileiro).

Com base na recomendação 1949, da Comissão Nacional da Verdade, o governador Jackson Barreto assinou um decreto estadual em 14 de janeiro de 2016 que alterava o nome de órgãos públicos que homenageiam pessoas que fizeram parte da ditadura militar no estado de Sergipe.

Isso incluiu o estádio presidente Médici, que a partir desta data passou a se chamar Estádio Etelvino Mendonça. Ele foi uma grande personalidade da cidade de Itabaiana. Foi tabelião, vereador e prefeito,  trabalhou no incentivo ao esporte do município, em especial da Associação Olímpica da Itabaiana, tendo levado a primeira bola de couro ao município.

Dava nome ao antigo estádio de Itabaiana, que recebeu jogos até 1971 e, em 1975, foi doado ao estado. Fez também a doação do terreno para a construção do novo estádio. A mudança do nome do Estádio não tem sido bem aceita por alguns torcedores que defendiam a permanência do nome antigo pela consolidação ao longo dos anos. Outros contestam a escolha do nome Etelvino José de Mendonça, pois ao lado do estádio a praça de eventos já faz homenagem ao ex-prefeito.

Fato é que o que mais irritou a torcida do tricolor da Serra foi a forma como foi feita a mudança, apenas por decreto, sem nenhuma espécie de consulta popular ou votação e sem ao menos que o governador Jackson Barreto fosse até Itabaiana.

Muitos torcedores queriam que o novo nome fosse José Queiroz da Costa, patrono do clube no pentacampeonato no final da década de 1970. Mas outra lei estadual é um empecilho, já que em Sergipe é proibido colocar nomes de pessoas ainda vivas em prédios públicos ou ruas.

* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa