A aventura europeia do Grêmio… Sãocarlense

* Colaborou Leandro Paulo Bernardo

Quando fazemos pesquisa com a história do futebol vivemos um paradoxo entre valorizar fatos e ídolos do passado ou descobrir algo que possa “manchar” boas lembranças. Para mim, ninguém batia pênaltis como o italiano Giuseppe Signori, com uma classe genial e um movimento corporal único que não tomava distância superior a dois passos da bola. Jamais vi “Beppe” perder uma cobrança… eis que descubro uma falha, justamente contra uma equipe brasileira, e numa história incrível de 5 de agosto de 1997.

Giuseppe Signori

O Grêmio Esportivo Sãocarlense nunca viveu um apogeu no futebol, foi fundado em 19 de março de 1976, após um churrasco no qual desportistas da cidade paulista de São Carlos buscavam um sucessor para o Madrugada Esporte Clube, que havia disputando a terceira divisão em 1975.

O maior êxito do Lobão da Central foi a terceira divisão do Campeonato Paulista em 1989. Disputou a primeira divisão entre 1991 e 1993. Em 1997, estava disputando a segunda divisão estadual, enquanto o Grêmio de Porto Alegre era o atual campeão nacional e da Copa do Brasil. O único elo entre as equipes era o atacante Nildo, que havia jogado nos dois “Grêmios”.

A partir de 1994, durante a sua pré temporada, a tradicional Fiorentina organizava o Troféu Memorial Cecchi Gori (em homenagem ao cineasta e ex-presidente da Fiorentina, Mário Cecchi Gori falecido em 1993) com partidas de apenas 45 minutos e apresentando seu elenco para a torcida. Inicialmente, o Grêmio de Porto Alegre foi convidado para disputar o torneio. Entretanto, por causa da agenda apertada, os gaúchos não foram à Itália.

Os empresários italianos que estavam organizando o torneio acabaram levando um outro Grêmio, o de São Carlos, depois de não conseguir espaço na agenda do Grêmio Novorizontino. Assim, a delegação do Sãocarlense embarcou para a Itália, nem a comissão técnica e nem os jogadores estavam cientes de que o outro Grêmio era esperado. Na mesa principal do restaurante do hotel havia uma pequena placa com o símbolo do Grêmio de Porto Alegre e alguns jogadores começaram a desconfiar.

No elenco do clube, em 1997, havia uma mescla de garotos que haviam feito boa campanha no Campeonato Paulista de juniores e alguns veteranos como os laterais Garrinchinha e Édson Boaro (ex-Corinthians e Seleção Brasileira), o zagueiro Roberto (ex-ídolo do Londrina) e o centroavante Serginho Fradinha. Contudo, o time titular para aquele torneio foi: Ricardo, Vile, João Cleber, Fabio, China, Marcinho, Bernardo, Olídio, Leo, Marco Aurélio e Coshe. Os reservas foam: Silvio Luiz (futuro goleiro do São Caetano), Douglas, Roberto, Neto, Cleber, Natela e André, sob o comando do técnico Carlos Rabello.

O torneio ocorreu no dia 5 de agosto de 1997. O primeiro jogo foi entre Lazio e Sãocarlense, com vitória da equipe romana por dois a zero. Os gols foram anotados pelo croata Alen Boksic e Giuseppe Signori. Só que, nesse confronto, Signori perdeu uma cobrança de pênalti brilhantemente defendida pelo arqueiro Ricardo.

Após a derrota, os carlopolitanos foram enfrentar o time local. Os altos falantes do estádio Estádio Artemio Franchi primeiro anunciaram a escalação da Fiorentina: Toldo, Cois, Rui Costa, Oliveira. Batistuta… depois a do Grêmio; Danrlei, Arce, Rivarola… aí os jogadores confirmamaram aquilo que desconfiavam desde o hotel. A Fiorentina venceu por um a zero, com gol do maranhense Oliveira, numa partida muito disputada.

https://youtu.be/RuLHpMMu2zM

A partida decisiva entre Fiorentina e Lazio terminou um a um e a equipe local ficou com o título após vencer nos pênaltis. No outro dia, o jornal La Gazzeta dello Sport fez a matéria do torneio e descreveu o Grêmio Sãocarlense como; “formazione brasiliana di seconda schiera neanche lontana parente del famoso Gremio di Porto Alegre”.

A diretoria do Sãocarlense aproveitou a estadia por terras italianas e organizou a participação em outro torneio triangular, dessa vez na província de Áquila, para a comemoração dos 50 anos do L’ Aquila Calcio que estava mudando de nome e jogava o equivalente à quinta divisão nacional.

Dessa vez seriam partidas completas de 90 minutos. Os brasileiros perderam para o time local por 1 a 0  e empataram sem gols com a Seleção dos Emirados Árabes Unidos. Depois, ainda houve um amistoso contra o Perugia em que o Lobo foi derrotado por 3 a 1.

A aventura na Europa ainda contou com dois amistosos na Inglaterra. Contra o Tranmere Rovers – derrota por 2 a 0 – e empate sem gols contra o Burnley. A delegação ficou hospedada em Liverpool com direito a visita ao mítico Cavern Club.

Atualmente, após várias mudancas de nome, falências e refundações o L’aquila está em um dos noves grupos da quarta divisão italiana. O Perugia está na segunda divisão após decretar falência duas vezes em 13 anos. O Tranmere Rovers está na quarta divisão inglesa. E o Burnley joga na primeira divisão e na última temporada conseguiu até uma vaga para a Liga Europa.

A Lazio conseguiu um campeonato nacional em 2000 e a última edição da Recopa Europeia em 1999 – a Fiorentina havia vencido a primeira em 1961. Esteve envolvida em escândalos e crises financeiras, mas conseguiu se equilibrar nos últimos anos.

Em 2000, foi disputado pela última vez o Troféu Memorial Cecchi Gori. As únicas equipes não italianas a participarem foram Barcelona, Benfica, Arsenal, Monaco, Athletic Bilbao e Sãocarlense.

A família Cecchi Gori – primeiro com o pai, Mario, e a depois com o filho, Vittorio – foi do céu ao inferno em Florença. Adquiriram grandes jogadores, venceram uma Copa da Itália e jogaram até Champions League. Ao mesmo tempo, Vittorio Cecchi Gori mantinha sua vida de senador e produtor cinematográfico – produziu clássicos como O Carteiro e o Poeta e A Vida é Bela.

A princípio, parecia ter poder político e econômico necessário para gerir a Fiorentina. No entanto, o clube entrou em uma crise enorme por causa dos gastos desenfreados e gestão fraudulenta do seu dono, que nem mesmo as vendas de Batistuta, Rui Costa e Toldo foram capazes de sanar. Cecchi Gori foi preso por duas vezes, condenado por falir tanto a Fiorentina, em 2002, quanto sua produtora.

Em 2004, a Viola voltou para a elite, enquanto o Sãocarlense decretou falência no ano seguinte.

Em 2016, retornou ao profissionalismo e mudou o nome de Grêmio Esportivo Sãocarlense para Grêmio Desportivo Sãocarlense. Em 2018, voltou a ser filiado à FPF e disputou a segunda divisão do Campeonato Paulista – o equivalente à quarta divisão. Ficou na lanterna do grupo, após 14 jogos venceu um (na estreia contra o Brasilis), empatou dois e perdeu 11. Marcou sete gols e tomou 34. Ainda foi penalizado com a perda de quatro pontos por ter escalado um jogador irregular contra o Jaguariúna.

Giuseppe Signori deixou a Lazio em janeiro de 1998 para jogar na Sampdoria, foi idolo no Bologna, passou pelo Iraklis Thessaloniki da Grécia e encerrou a carreira no Sopron da Hungria em 2006, aos 38 anos. É o nono melhor marcador na história da Série A, tendo marcado 188 gols e três artilharias de campeonato (todos pela Lazio em 1992-93, 1993-94 e 1995-96). Está em segundo lugar entre os melhores marcadores da história da Lazio com 127 gols, na frente dele apenas Silvio Piola , com um total de 149 gols.

Em 1° de junho de 2011, Signori chegou a ser preso acusado de estar envolvido em um esquema de manipulação de resultados de partidas de competições italianas para uma rede de apostas no país, 14 dias depois conseguiu sua liberdade. Continuo a colocá-lo como líder no meu ranking de cobradores de pênaltis… mesmo após descobrir que ele também errou.

* Leandro Paulo Bernardo – Cirurgião-Dentista, apaixonado por futebol, literatura e música desde os quatro anos, e com o coração dividido entre o Santa Cruz e a Portuguesa